Intelligentia. Latim que relegou a nós a múltipla significação da palavra, tão bem realizada pelo Gilbertão, que a levava além da simples faculdade de aprender, compreender , adentrando as profundezas da percepção.
Este era o foco de um jovem que foi para São Paulo aos 18 anos, em 1971, conhecer os meandros das Ciências Sociais, que encontrou nos estudos o esteio para a Revolução Humana que tanto pregou, e sentiu na pele através dos encontros subjetivos com Félix Guattari (1930-1992) e Gilles Deleuze (1925-1995) e reais com Sueli Rolnik, sempre debatendo a Esquizo-análise, Ciência que ainda engatinha, tendo em vista as possibilidades dela para a mudança de cada eu.
Neste momento da vida universitária, em que passou pelas rádios Marconi e Jovem Pan, teve que escolher entre o trabalho regular na Rádio Excelsior, apresentado pelo amigo Antonio Afonso de André (o saudoso Sanfim) e na firma que abriu (a Manager Consultoria, em 1975, com Rui de Almeida Prado Xavier), e a militância cultural com o teatro nas periferias batalha estudantil e política em épocas de Ditadura.
A escolha, como contou Gilbertão em entrevista concedida a mim em 15 de outubro de 2004, teve seu momento quando o Jornal da Tarde fotografou os estudantes presos em 1977, durante reunião pela reorganização da UNE – União Nacional dos Estudantes, em frente à PUC e terminou em frente ao quartel da Tiradentes, no Centro da capital paulista.
Na frente da foto, Gilbertão saindo da Delegacia, fato que definitivamente abandonou aquilo que chamava de orientação burguesa, como costumava dizer, porém respeitando a posição dos amigos que não aderiram à luta.
PT
Influenciado por ícones como o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), fez parte do grupo que ia às reuniões sindicais na metalúrgica Aços Villares, em São Bernardo do Campo, visando convencer o líder sindical Luiz Inácio da Silva, o Lula, a evoluir para o campo político.
Trabalhou também em jornais do PT, como o Em Tempo, e o Dia-a-Dia, que na criação do Partido dos Trabalhadores veiculou manchete: Neste mato tem coelho.
Nesta época, firmou amizade com nomes como João Paulo Cunha, Aloizio Mercadante, Eduardo Suplicy e o próprio Lula. Em Monte Alto, formou a militância que existe até hoje, presidindo o partido na cidade e estimulando ex-alunos a formarem o PT Jovem.
Muitos destes jovens, após a formação universitária, foram convidados a integrar o quadro de cargos em comissão da Prefeitura. É a primeira vez que tantos jovens trabalham no Executivo local, reformulando quadros de funcionários que se repetiam a cada gestão, e superando a ideologia de mamar nas tetas do governo.
Superação
A abertura para o universo subjetivo, as usinas desejantes que tanto citava, tiveram seu preço: o idealismo passou pelas brumas do chamado período de Abertura. Gilbertão levava seus alunos para assistirem películas que saíam dos porões da repressão como A Classe Operária Vai ao Paraíso, Queimada e Laranja Mecânica, no final dos anos 70.
Lia sobre Anistia para Todos, liberdade de expressão, e discordava desta realidade. Passou, como disse, a discordar do mundo, quando veio a primeira crise depressiva, que o trouxe de volta a sua terra natal: Monte Alto – SP (a 365 Km de SP), onde nasceu em 25 de setembro de 1952.
Amparado pela Antipsiquiatria, de David Cooper e R.D. Laing, e com o apoio de remédios e de estudiosos como Hélio Pellgrino e Sueli Rolnik, procurou conter suas torrentes subjetivas e firmou seu trabalho na política local, superando o momento delicado.
Foram 3 os mandatos de vereador (1993-96, 1997-2000 e 2001-04), em que rompeu com o prefeito petista eleito em 1992, expulsando-o do PT em pleno mandato, e denunciou esquemas que se transformaram em CPIs, ainda em tramitação, e investigações, como no caso da Máfia do Lixo, denunciada pela CPI dos Bingos relatada pelo Senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) na semana passada, que traz em seu relatório final o capítulo: Máfia do Lixo.
Era 4º colocado nas eleições de 2004 para prefeito de Monte Alto, quando a realização do primeiro debate ao vivo, transmitido por uma rádio local, o levou à vitória, com 7.171 votos, ou 13,27% no pleito mais acirrado da história da cidade.
Em 1996, candidatou-se a deputado estadual.
Cultura
Gilbertão sempre lutou pela Cultura, como promotora da expressão popular ante a sociedade, máquina geradora de auto-estima e inclusão. No início dos anos 80, liderou o grupo Amigos da Arte & Cultura, que realizou a Semana do Cinema de 1982, o que trouxe o que chamava de uma Saúde, para continuar produzindo.
Foram veiculados filmes O Homem que Virou Suco, A Classe Operária Vai ao Paraíso, O Tambor, Laranja Mecânica, Meu Tio, e clássicos do diretor Glauber Rocha como A Idade da Terra e Deus e o Diabo na Terra do Sol, para um pequeno público.
Tinha em mente trazer cultura de qualidade, contra a maré da Indústria Cultural, num processo de longo prazo, para que as pessoas se acostumassem com a diversidade; por isto, foi um dos poucos a ficar tranqüilo com o pequeno público nestas iniciativas cinematográficas.
Para divulgar a Semana do Cinema, criou um alter-ego reacionário, que ao criticar em público o evento, o divulgava. O nome: O Execrável Asdrúbal Bariri.
Em 2006, fez um revival da Semana, incluindo uma extensa programação que trouxe 6 sessões do melhor do cinema mundial por dia, entre 15 de janeiro e 15 de fevereiro de 2006, alternando exibições de qualidade em 16mm, VHS e DVD.
Era o Festival Vida Boa DVD Viver, com mais de 400 filmes em 32 dias de exibição, incluindo filmes populares como de Mazzaropi, em praças da cidade, tornando a cidade o eixo cultural do estado naquele mês.
Cantor e compositor, enquanto prefeito redigiu e cantou uma música para cada mês de mandato cumprido, uma forma de efetivar toda a empatia que sua figura pública cativa na cidade. Isto além de inúmeras composições consagradas no âmbito municipal, como Blues da Vila Tábua e No Tempo do Pipito.
Atento à importância do resgate, como líder do Executivo resgatou a moda de viola, a catira e a Folia dos Santos Reis, entre outras manifestações folclóricas e religiosas.
Realizou Mostras Regionais de Talentos e de Talentos das APAEs, visando unir os municípios da região em uma associação, hoje denominada AGCIP – Associação de Gestores Culturais no Interior Paulista, reunindo mais de 30 cidade e representando o estado na Conferência Nacional de Cultura, em Brasília, no ano passado, passando por cima da negligência do Governo Estadual. Sempre lecionou no ensino público, sendo professor da EE Dr. Luiz Zacharias de Lima até 2004, e integrando ativamente lutas junto à Apeoesp.
Administrador
Com visão e experiência política, em quase um ano e meio de governo Gilbertão lutou pela inclusão da Filosofia na grade curricular do Ensino Fundamental, além de investir na capacitação de professores, na reforma da Cozinha Piloto (que hoje serve merendas com direito a pratos especiais durante a semana, como Milk Shake e bolo trufado, sempre acompanhados pela nutricionista responsável) e no CIM Centro de Inclusão Municipal, uma escola pública para alunos com necessidades especiais.
Fim e Início
Transcorriam 13h da sexta, 10, quando liguei para o celular de Gilbertão. Rosa atendeu, pois nosso querido amigo estava ocupado (na verdade no banheiro). Relatei que meu companheiro de estudos na UNESP, Jorge Soufen Júnior, tinha dado a matéria (no jargão jornalístico) sobre a Máfia do Lixona Folha Ribeirão, com dados enviados por nós sobre Monte Alto.
Gilbertão ligou de volta, se mostrando feliz pelo desenrolar da investigação, que partiu de denúncias dos então vereadores Gilberto e Luiz Ernesto Cestari, à Delegacia Seccional de Sertãozinho. Sua derradeira frase, para mim coincidentemente, o primeiro a trocar uma palavra com ele, quando confirmada a vitória no Cartório Eleitoral e o último a falar com ele foi: fica frio aí, você e todo mundo, que tudo vai dar certo.
Uma hora depois, cerca de 14h, o prefeito de Monte Alto-SP, Gilberto Morgado sofreu uma queda do 23º andar do Flat Lorena, nos Jardins, em São Paulo, vindo a falecer. A investigação comandada pela delegada Elizabete Sato, da 78º DP, trabalha com a hipótese de suicídio.
O prefeito e a primeira-dama, Rosa Maria de Oliveira Morgado, estavam na Capital paulista, onde assinaram convênio para o início do Projeto Guri na cidade.
Gilbertão era formado em História, pelo hoje Centro Universitário Barão de Mauá, em Ribeirão Preto, após passagens pela PUC, USP e São Luiz, na Capital. Foi morar em SP em 1971, onde se especializou Ciências Políticas na USP.
Morre aos 53 anos (nasceu em 25 de setembro de 1952), e não deixa filhos. O velório aconteceu no dia 10, no Ginásio de Esportes José Pizarro. O corpo percorreu as ruas da cidade e depois foi enterrado às 17h, no Cemitério Municipal.
Com base neste tudo vai dar certo, últimas palavras de nosso prefeito, mentor, e irmão, é se leve à frente toda a lição, vibrações positivas lançadas no Cosmo pela força, conhecimento, Intelligentia daquele que recebeu, da dona Néllia e do seu Landinho, o nome de Gilberto Morgado e o objetivo de efetivar a Revolução Humana, junto com a verdadeira legião de seguidores que conquistou.
Com a Razão, o Coração, ele conseguiu. Em Monte Alto, de fato, a esperança vencia, a cada batalha, o medo, e o reacionarismo de uma sociedade ainda desacostumada com a política humana, dinâmica e solidária, sem empreguismo e ganância, iniciada pelo nosso querido Barba.
Luiz Felipe Nunes é formado em Jornalismo pela UNESP. É editor do Jornal Tempo, jornalista responsável pela programação e pelo noticiário Segundo Tempo , da Rádio Comunitária Alternativa FM e professor voluntário de Redação no Cursinho AprovAção Voluntária.